terça-feira, 11 de setembro de 2012

E eles?

   

     [...]a verdade mais incontestável que achei debaixo do sol é que ninguém se deve queixar, porque cada pessoa é sempre mais feliz do que outra.
    Não afirmo sem prova.
    Fui há dias a um cemitério, a um enterro, logo de manhã, num dia ardente como todos os diabos e suas respectivas habitações. Em volta de mim ouvia o estribilho geral: Que calor! É de rachar passarinho! É de fazer um homem doido!
    Íamos em carros! Apeamo-nos à porta do cemitério e caminhamos um longo pedaço. O sol das onze horas batia de chapa em todos nós; mas sem tirarmos os chapéus, abríamos os de sol e seguíamos a suar até o lugar onde devia verificar-se o enterramento. Naquele lugar esbarramos com seis ou oitos homens ocupados em abrir covas: estavam de cabeça descoberta, a erguer e fazer cair a enxada. Nós enterramos o morto, voltamos nos carros, e daí às nossas casas ou repartições. E eles? Lá os achamos, lá os deixamos, ao sol, de cabeça descoberta, a trabalhar com a enxada. Se o sol nos fazia mal, que não faria àqueles pobres-diabos, durante todas as horas quentes do dia?

ASSIS, Machado de. O nascimento da crônica. In: SANTOS, Joaquim Ferreira (Org.). As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p.26

domingo, 9 de setembro de 2012

São horas de tédio

Van Gogh - Still Life with Absinthe


São vinte e duas horas e trinta e sete minutos.


Arfo, oscilante. 


Calor tropicalista; setembro é primaveril. 


Cores são apresentadas, arte é interpretada, inclusive pelas massas. 

Metrópole do Império Tupiniquim, existem bastões de concreto, pessoas a rufar. 

Essa máquina não para de girar; moldes imprimem semblantes monetários, ah, a vida  é acrisolaria!



São vinte e duas horas e quarenta e nove minutos.

Temo o acaso,

acaso que é um caso casado,

casado com o calvário do tempo.

Tempo? Esse tempo! Tempo maldito;

maldito por me analisar, minúcias por minúcias.

Por que tanto tempo, vós, tempo, não vês? Não vês o tempo que gastei com vós, tempo?



Que caso.







sábado, 8 de setembro de 2012

Viver, viver, viver!

 
Red Headed Woman in the Garden of M.Foret, Toulouse-Lautrec, 1887



    "Onde foi - pensou Raskólnikov seguindo adiante -, onde foi que eu li que um condenado à morte, uma hora antes de morrer, pensava e dizia que se tivesse de viver em algum lugar alto, em um penhasco, e numa área tão estreita que só coubessem dois pés - e cercado de abismos, mar, trevas eternas, solidão eterna e tempestade eterna - e fosse forçado a permanecer assim, em pé no espaço de um archin a vida inteira, mil anos, toda a eternidade, seria melhor viver assim do que morrer agora!? Contanto que pudesse viver, viver, viver! Não importa como viver, mas apenas viver!... Que verdade! Deus, que verdade! O homem é um canalha! E é canalha aquele que por isso o chamar de canalha"* - Acrescentou um minuto depois.

*Trata-se de Notre Dame de Paris, de Victor Hugo. (N. da E.)

DOSTOIÉVSKI, F. M. Crime e Castigo. São Paulo: Editora 34, 2001. p. 172.


terça-feira, 4 de setembro de 2012

A coisa é clara:


    


     A coisa é clara: não se vende em proveito próprio, por conforto, nem para escapar da morte, mas se vende em proveito do outro! Se vende por uma pessoa querida, por uma pessoa adorada! É nisso que consiste toda essa nossa coisa: pelo irmão, pela mãe ela se vende! Vende tudo! Oh, aqui, havendo oportunidade, nós esmagamos até o nosso sentimento ético; levamos à loja de usados a liberdade, a tranquilidade, até a consciência, tudo, tudo. Dane-se a vida! Contanto que esses nossos seres apaixonados sejam felizes. Como se não nos bastasse inventar a nossa própria casuística, aprendemos com os jesuítas e, pode ser, por um momento tranquilizamos a nós mesmos, persuadimos a nós mesmos de que se deve agir assim, de que realmente se deve, para atingir um bom objetivo. Nós somos assim mesmo, e é tudo claro como o dia. É claro que aqui não é de outro senão de Rodion Románovith Raskólnikov, que se trata e em primeiro plano. Ora, como não? Pode-se construir a felicidade dele, custear-lhe a universidade, fazê-lo sócio do escritório, garantir todo o seu destino, pode ser que depois até se torne rico, honrado, respeitado, e talvez até termine a vida como um homem célebre. E a mamãe? Sim, mas aqui se trata de Ródia, do inestimável Ródia, do primogênito! Pois bem, para um primogênito como esse como não sacrificar até mesmo uma filha como essa? Oh corações amáveis e injustos![...]Não quero o seu sacrifício, Dúnietchka, não quero, mamãe! Isso não vai acontecer enquanto eu estiver vivo, não vai acontecer, não vai! Não aceito.


DOSTOIÉVSKI, F. M. Crime e Castigo. São Paulo: Editora 34, 2001. p. 59-60.

A morte por sentença


Ilustração contida na edição "O Idiota" da Editora 34


     A morte por sentença é desproporcionalmente mais terrível que a morte cometida por bandidos. Aquele que os bandidos matam, que é esfaqueado à noite, em um bosque, ou de um jeito qualquer, ainda espera  sem falta que se salvará, até o último instante. Há exemplos de que a pessoa está com uma garganta cortada, mas ainda tem esperança, ou foge, ou pede ajuda. Mas, no caso de que estou falando, essa última esperança, com a qual é dez vezes mais fácil morrer, é abolida com certeza; aqui existe a sentença, e no fato de que, com certeza, não se vai fugir a ela, reside todo o terrível suplício, e mais forte do que esse suplício não existe nada no mundo.  


O Idiota - Fiódor Dostoiévski

Ismália


Alphonsus de Guimaraens



Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Alba


VINÍCIUS DE MORAES


Alba, no canteiro dos lírios estão caídas as pétalas de uma rosa cor de sangue
Que tristeza esta vida, minha amiga…
Lembras-te quando vínhamos na tarde roxa e eles jaziam puros
E houve um grande amor no nosso coração pela morte distante?
Ontem, Alba, sofri porque vi subitamente a nódoa rubra entre a carne pálida ferida
Eu vinha passando tão calmo, Alba, tão longe da angústia, tão suavizado
Quando a visão daquela flor gloriosa matando a serenidade dos lírios entrou em mim
E eu senti correr em meu corpo palpitações desordenadas de luxúria.
Eu sofri, minha amiga, porque aquela rosa me trouxe a lembrança do teu sexo que eu não via
Sob a lívida pureza da tua pele aveludada e calma
Eu sofri porque de repente senti o vento e vi que estava nu e ardente
E porque era teu corpo dormindo que existia diante de meus olhos.
Como poderias me perdoar, minha amiga, se soubesses que me aproximei da flor como um perdido
E a tive desfolhada entre minhas mãos nervosas e senti escorrer de mim o sêmen da minha volúpia?
Ela está lá, Alba, sobre o canteiro dos lírios, desfeita e cor de sangue
Que destino nas coisas, minha amiga!
Lembras-te, quando eram só os lírios altos e puros?
Hoje eles continuam misteriosamente vivendo, altos e trêmulos
Mas a pureza fugiu dos lírios como o último suspiro dos moribundos
Ficaram apenas as pétalas da rosa, vivas e rubras como a tua lembrança
Ficou o vento que soprou nas minhas faces e a terra que eu segurei nas minhas mãos.

Rio de Janeiro, 1935

Sobre o trabalho


    


    Por simples ignorância e equívoco, muita gente, mesmo nesse país relativamente livre, se deixa absorver por preocupações artificiais e tarefas superfluamente ásperas, que não pode colher os frutos mais saborosos da vida. A excessiva lida torna-lhes os dedos demasiado trêmulos e desajeitados para isso. Na realidade, o trabalhador não dispôe de lazer para uma genuina integridade dia a dia, nem se pode permitir a manutenção de relações mais humanas com outros homens, pois seu trabalho seria depreciado no mercado. Não há condições para que seja outra coisa senão uma máquina. Como pode ele ter em mente a sua ignorância- atitude indispensável ao crescimento interior- quando tem de usar seus conhecimentos com tanta frequência? Às vezes, antes de julgá-lo, deveríamos dar-lhe roupa e comida, além de chamá-lo para beber conosco.

Walden ou a vida nos bosques - Henry D. Thoreau

Essa é muito boa!


    


     Quando consideramos aquilo que, para usar as palavras do catecismo, é a principal finalidade do homem, e em que consistem as verdadeiras necessidades e recursos da vida, tem-se a impressão de que os homens elegeram deliberadamente seu habitual modo de viver porque o preferiram a qualquer outro. No entanto, pensam honestamente que não há opção, se bem que espíritos altivos e saudáveis dêem-se conta de que o sol nasce todas as manhãs e de que nunca é tarde demais para abrir mão de preconceitos. Afinal, nenhum modo de pensar ou agir, por mais consagrado que seja, pode merecer cega confiança. O que, hoje todos aceitam, louvando ou em silêncio, pode revelar-se amanhã como um equívoco, mera fumaça de opinião que 
     alguns tomaram por nuvem que espargiria chuva fecundando os campos. O que as pessoas mais velhas dizem que não podeis fazer, tentam e acabam por conseguir. Fiquem os velhos com as velharias e os novos com as novidades.

Walden, ou a vida nos bosques - Henry D. Thoreau.

Compete a todo homem a tarefa de fazer a própria vida!


Estátua de Henry D. Thoreau perto do lago Walden (casa onde viveu sua experiência).
     


     Fui para os bosques porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os fatos essenciais da vida, e ver se podia aprender o que tinha a me ensinar, em vez de descobrir à hora da morte que não tinha vivido. Não desejava viver o que não era vida, a vida sendo maravilhosa, nem desejava praticar a resignação, a menos que fosse de toda necessária. Queria viver em profundidade e sugar toda a medula da vida, viver tão vigorosa e espartanamente a ponto de por em debandada tudo que não fosse vida, deixando o espaço limpo e raso; encurralá-la num beco sem saída, reduzindo-a a seus elementos mais primários, e, se esta se revelasse mesquinha, adentrar-me então em sua total e genuína mesquinhez e proclamá-la ao mundo; e se fosse sublime, sabê-lo por experiência, e ser capaz de explicar tudo isso na próxima digressão. Porque me parece que muitos homens estão terrivelmente incertos, sem saber se a vida é obra de Deus ou do demônio, e têm concluído com a "certa sofreguidão" que a finalidade principal do homem aqui na terra é "dar glória a Deus e gozá-lo por toda a eternidade".... Já pensastes algum dia o que são os dormentes que sustentam a via férrea? Cada um representa um homem, um irlandês ou um ianque.                 
    Os trilhos assentam-se em cima deles, cobertos de areia, e por aí correm os trens suavemente. São dormentes fortes, asseguro-vos. E de anos em anos novo lote é colocado para que se corra em cima; de tal modo que se alguns gozam o prazer de viajar de trem, outros suportam o infortúnio de aguentá-lo no lombo.    
     E quando os trens atropelam um homem sonâmbulo, um dormente extranumerário na posição errada, e acordam-no, subitamente os vagões param e ouve-se um clamor público, como se tratasse de algo extraordinário. Folgo em saber que há uma turma de operários a cada oito quilômetros a fim de manterem os dormentes deitados e ao nível de seus leitos, pois isso é sinal de que a qualquer momento estes podem se levantar de novo.

Thoreau.

Sugar todo o Tutano da Vida!


Lago Walden
    


    Vontade de ir para um lago no sul do país, para viver não menos que dois anos de minha vida; construir uma singela casa, viver da natureza, sugar todo o tutano da vida, toda a medula óssea que o chão me disponibilizar. Dali viver plenamente, para quando morrer não descobrir que de minha vida não vivi. Sim, gozar de todos os orgasmos que a vida tem a nos dar; deitar confortavelmente em um barco velho no meio de um lago em plena Primavera, ou então do Outono. Ver o tempo passar corroendo as folhas das Araucárias, ver minha barba crescer diante do espetáculo ali encenado, onde todo o ambiente existente sempre foi e sempre será o personagem principal de nossa existência. 

Eu inspirado em "Walden, ou a vida nos bosques - Henry D. Thoreau".

Escrito em 08/ago/2011.

Canção do vento e da minha vida - Manuel Bandeira




O vento varria as folhas,
o vento varria os frutos,
o vento varria as flores...

E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de frutos, de flores, de folhas.

O vento varria as luzes,
o vento varria as músicas,
o vento varria os aromas...

E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de aromas, de estrelas, de cânticos.

O vento varria os sonhos
e varria as amizades...
o vento varria as mulheres.

E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de afetos e de mulheres.

O vento varria os meses
e varria os teus sorrisos...
o vento varria tudo!

E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de tudo.

Poema dos olhos da amada - Vinícius de Moraes




Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus...


Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.

Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

Rio de Janeiro, 1950

Vinicius de Moraes

O rio - Vinícius de Moraes


Poesia
           
O rio

Uma gota de chuva 
A mais, e o ventre grávido 
Estremeceu, da terra. 
Através de antigos 
Sedimentos, rochas 
Ignoradas, ouro 
Carvão, ferro e mármore 
Um fio cristalino 
Distante milênios 
Partiu fragilmente 
Sequioso de espaço 
Em busca de luz.

Um rio nasceu.



Sacrifício da Aurora - Vinícius de Moraes



Um dia a Aurora chegou-se 
Ao meu quarto de marfim 
E com seu riso mais doce 
Deitou-se junto de mim 
Beijei-lhe a boca orvalhada 
E a carne tímida e exangue 
A carne não tinha sangue 
A boca sabia a nada. 

Apaixonei-me da Aurora 
No meu quarto de marfim 
Todo o dia à mesma hora 
Amava-a só para mim 
Palavras que me dizia 
Transfiguravam-se em neve 
Era-lhe o peso tão leve 
Era-lhe a mão tão macia. 

Às vezes me adormecia 
No meu quarto de marfim 
Para acordar, outro dia 
Com a Aurora longe de mim 
Meu desespero covarde 
Levava-me dia afora 
Andando em busca da Aurora 
Sem ver Manhã, sem ver Tarde. 

Hoje, ai de mim, de cansado 
Há dias que até da vida 
Durmo com a Noite, ausentado 
Da minha Aurora esquecida... 
É que apesar de sombria 
Prefiro essa grande louca 
À Aurora, que além de pouca 
É fria, meu Deus, é fria!


Vinicius de Moraes

Brasil Varonil


CAPITALISMO BRASILEIRO:

     Você tem duas vacas. Uma delas é roubada. O governo cria a CCPV-Contribuição Compulsória pela Posse de Vaca. Um fiscal vem e te autua, porque embora você tenha recolhido corretamente a CCPV, o valor era pelo número de vacas presumidas e não pelo de vacas reais. A Receita Federal, por meio de dados também presumidos do seu consumo de leite, queijo, sapatos de couro, botões, presumia que você tivesse 200 vacas e para se livrar da encrenca, você dá a vaca restante para o fiscal deixar por isso mesmo...



Estou no meio dessa muvuca; à título de curiosidade.



DEMOGRAFIA

Muvuca planetária




Em outubro, seremos 7 bilhões



RESUMO
    
    Até outubro, a população mundial atingirá a marca de 7 bilhões de habitantes. O ritmo do crescimento, porém, já diminui e tende a se estabilizar perto de 2100. Aquecimento global, educação e controle de natalidade estão entre os fatores apontados por demógrafos para assegurar a qualidade de vida no planeta.

Angeli


ANTÔNIO GOIS

    EM 1960, a população mundial era de 3 bilhões de pessoas. Em apenas 39 anos, dobrou, passando para 6 bilhões de habitantes em 1999. Foi um crescimento nunca antes visto. Em retrospecto, os intervalos em que a população dobrou ficaram cada vez mais curtos.
   Foram 70 anos entre 1890 e 1960; 150 anos de 1740 a 1890; cinco séculos de 1240 a 1740; e mais de um milênio entre o ano 40 e 1240.
    Quando apresenta esses números para seus alunos na Universidade de Michigan, nos EUA, o economista David Lam costuma provocá-los com a seguinte pergunta: quanto tempo levaremos para dobrar de tamanho mais uma vez e chegar a 12 bilhões? Serão 20, 40, 60, cem ou mais de cem anos?
    A pergunta de Lam é capciosa. A resposta mais provável, baseada em recentes projeções da ONU, é nunca. O ritmo de crescimento vem diminuindo, e demógrafos já discutem quando atingiremos o ponto de inflexão, quando a população começará a encolher.

    7 BILHÕES Até outubro deste ano, provavelmente em alguma cidade indiana ou chinesa, nascerá o bebê que fará a população atingir a marca de 7 bilhões de habitantes. A ONU estima que seremos 10 bilhões até o fim do século, quando, finalmente, a população vai começar a diminuir. 
    Projeções, é claro, são feitas com base em hipóteses sobre o comportamento futuro da fecundidade e mortalidade que podem se confirmar ou não. Mas consideram também padrões verificados no passado e movimentos já em curso que lhes dão base científica. 
    Mesmo que o ritmo esteja diminuindo e que seja improvável que a população volte a dobrar, a previsão de que vai ser preciso abrir espaço para mais 3 bilhões de pessoas reaviva temores sobre o futuro. O problema não é espaço físico. Agrupados ombro a ombro, os atuais 7 bilhões de habitantes do planeta caberiam na área da cidade de São Paulo.
    A questão que sempre afligiu a humanidade -pelo menos desde que o reverendo britânico Thomas Malthus (1766-1834) previu, em 1798, que a população cresceria a uma velocidade superior à dos recursos naturais- é se seremos capazes de alimentar tanta gente.
Olhando apenas para o passado, há razões para acreditar que sim. De Malthus a Paul Ehrlich -biólogo que, em 1968, previu uma bomba populacional que resultaria num quadro de fome em massa ao final do século passado-, as previsões catastrofistas não se confirmaram.
Os fatos mostraram que tinham razão os otimistas, e a produção de alimentos cresceu em ritmo superior ao da população.
David Lam, o economista da Universidade de Michigan, é presidente da Associação de População dos EUA. Em abril deste ano, o tema de seu discurso de abertura da convenção da entidade foi "Como o Mundo Sobreviveu à Bomba Populacional: Lições de 50 anos de uma Extraordinária História da Demografia". Lam relembra que os debates sobre população na década de 60 foram bastante influenciados pelo livro "A Bomba Populacional", de Ehrlich, professor da Universidade Stanford. 
"Enquanto você estiver lendo estas palavras, quatro pessoas morrerão de fome", dizia o subtítulo do best-seller na época. O livro preconizava abertamente métodos contraceptivos radicais, pois o crescimento deveria ser interrompido de imediato naquele ponto "por compulsão, caso métodos voluntários fracassem", nas palavras do autor.

APOSTA O pessimismo de Ehrlich não ficou sem resposta: deu origem a uma das mais famosas apostas no mundo acadêmico. O economista Julian Simon, da Universidade de Maryland, previu que, ao contrário, as condições de vida melhorariam no período, tendência com perspectiva de continuar indefinidamente.
Em 1980, Simon propôs um desafio ao seu colega de Stanford. Se a população de fato crescesse em ritmo muito superior aos recursos naturais, o esperado, de acordo com a teoria econômica, seria que o preço dos recursos minerais subisse, já que haveria escassez em decorrência da procura crescente. Eles escolheram cinco minerais -cobre, níquel, tungstênio, estanho e cromo- e, por dez anos, monitoraram o preço médio de cada um.
Em 1990, Ehrlich assinou um cheque de US$ 382 (R$ 617) e entregou a Simon, pois o preço médio dos cinco metais caíra 38,2%. 
Segundo o Banco Mundial, a taxa de pobreza em países não desenvolvidos -justo os que mais contribuíram para o crescimento populacional no período- caiu de 70% para 47% entre 1980 e 2005.
Com a lamentável exceção da África subsaariana, a tendência de queda se verifica em todas as regiões, em especial na Ásia, sobretudo graças ao desenvolvimento econômico chinês e indiano.
A ONU estima que quase um bilhão de pessoas ainda passem fome, mas o problema não está na incapacidade de produzir comida em escala global para alimentar a população. Mesmo considerando um período em que a população mais do que dobrou, de 1960 a 2009, a produção mundial de alimento per capita cresceu 41%.

EFICIÊNCIA Como fomos capazes de melhorar as condições de vida ao mesmo tempo em que vivenciamos uma verdadeira explosão populacional? Para Lam, há três explicações principais: globalização, resposta dos mercados e inovação tecnológica. A globalização entra na lista por ter contribuído para uma maior eficiência na produção e distribuição de alimentos em escala global.
A resposta dos mercados é simples de entender. Se o preço da comida sobe, pressionado pela demanda crescente, agricultores respondem a esse estímulo produzindo mais, aumentando a oferta e diminuindo a pressão inflacionária. A capacidade dos agricultores de responder ao mercado, no entanto, esteve também relacionada com a inovação tecnológica. 
Ao mesmo tempo em que a população dobrava, na segunda metade do século passado, ocorria a Revolução Verde. Foi em 1970, por exemplo, que o agrônomo Norman Bourlaug (1914-2009), considerado o pai dessa revolução, ganhou o Prêmio Nobel da Paz por pesquisas que permitiram mais eficiência no plantio de trigo em países como México, Índia e Paquistão.
A crescente urbanização também contribui para aliviar a bomba populacional, por reduzir o ritmo de crescimento demográfico. Quanto maior foi a migração do campo para as cidades, mais rápido aconteceu a queda da fecundidade. E o mundo, na década passada, pela primeira vez se tornou mais urbano do que rural, com mais da metade da população habitando em cidades.

FUTURO O passado, portanto, alimenta os otimistas. No entanto, projetar o futuro é uma equação mais complexa.
De um lado, questiona-se novamente até quando os mercados e a inovação tecnológica serão capazes de responder ao aumento da demanda provocado pelo crescimento populacional e econômico. Se a aposta entre Simon e Ehrlich fosse feita em 2000, a partir do preço dos alimentos, Ehrlich sairia vencedor, pois o índice de preços monitorado pelo Banco Mundial revela um aumento de 143% na década passada.
Os otimistas apostam que se trata de um movimento temporário. Eles ganharam munição quando, em janeiro deste ano, o Instituto de Engenheiros Mecânicos, com sede em Londres, divulgou o relatório "One Planet, Too Many People?" (um planeta, gente demais?).
O autor, Tim Fox, afirma que, com o devido investimento e usando tecnologias já disponíveis ou em fase final de desenvolvimento, é possível dar conta do aumento populacional, sobretudo se houver redução do desperdício e melhoria na logística de transporte da produção agrícola.

AQUECIMENTO Há, no entanto, uma variável nova e mais complexa em debate nos círculos acadêmicos demográficos: o aquecimento global. José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), argumenta que o século 20 foi um período único, marcado pelo recorde histórico de crescimento tanto populacional quanto econômico.
Mas o fato de ter acontecido no passado, argumenta ele, não é garantia de que isso se repetirá no futuro.
"O grande combustível do desenvolvimento nos últimos cem anos foi o petróleo. Foi uma fonte de energia fantástica, mas que poluiu o ar e a atmosfera. O resultado é o aquecimento global, e o custo do sucesso do século 20 está sendo cobrado agora", diz Alves.
De novo, a inovação tecnológica terá papel fundamental para garantir que o padrão de vida continue melhorando, mesmo com crescimento populacional.
Um relatório do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas divulgado em fevereiro deste ano apresenta uma estimativa do custo anual dos investimentos para fazer uma transição da economia marrom -baseada em fontes energéticas não renováveis- para a verde: US$ 1,3 trilhão (R$ 2,1 trilhões) por ano, ou 2% do PIB mundial. 
"É sem dúvida muito dinheiro, mas é menos do que é destinado hoje a gastos militares", afirma Alves. O mundo gasta em torno de US$ 1,6 trilhão (R$ 2,58 trilhões) para se preparar para a guerra.
No caso do aquecimento global, no entanto, o tamanho da população não pode ser levado em conta apenas em números absolutos. O impacto de cada habitante no problema, ou sua pegada ambiental, varia de acordo com o nível socioeconômico e a nacionalidade. Os EUA, cuja taxa de fecundidade já está em nível de reposição populacional (no qual a população ficaria estável, sem contar efeitos de imigração), representam 5% da população mundial, mas consomem 25% da energia do planeta.

MODELO A questão é que o modelo de desenvolvimento econômico que permitiu que a população crescesse e melhorasse suas condições de vida no século passado continua a gerar dividendos. Especialmente na Ásia, mas também na América Latina, milhões de pessoas saem da pobreza e formam uma nova classe média com aspirações de consumo iguais às de americanos ou europeus, o que tende a aumentar ainda mais o aquecimento global caso o modelo de desenvolvimento econômico permaneça o mesmo.
George Martine, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, concorda que os debates sobre planejamento familiar e o tamanho ideal da população não podem ser ignorados nas discussões sobre aquecimento global. O perigo, afirma ele, é transformar isso numa panaceia, ou pôr a culpa na população e desviar o foco do modelo de desenvolvimento baseado nos atuais padrões de consumo.
Para Martine, com ou sem crescimento populacional, o mundo já está hoje no limiar de uma grande ameaça climática, e a margem de manobra para mudar esse quadro rapidamente via redução da fecundidade é mínima. "Planejamento familiar não tem efeito retroativo. 
Cerca de 80% do crescimento populacional projetado é inercial. Mesmo que a taxa de fecundidade caia abruptamente em todos os países, a população continuará crescendo por um bom tempo, e temos que discutir como nos adaptar a essa nova realidade", diz.
O Brasil é um bom exemplo para explicar esse efeito inercial do crescimento demográfico. Segundo o IBGE, o país já chegou, ao final da década passada, a uma taxa de fecundidade de 1,9, abaixo do nível de 2,1 filhos por mulher, considerado de mera reposição populacional.
As projeções, porém, indicam que a população só deverá começar a diminuir a partir de 2040. Mesmo tendo, em média, menos filhos, há uma proporção grande de mulheres em idade fértil. Além disso, com o aumento da expectativa de vida, os brasileiros vivem por mais tempo.

CONTRACEPÇÃO O desafio para muitos demógrafos que rejeitam o rótulo de neomalthusianos é como tratar hoje a questão populacional sem recorrer a preconceitos ou simplificações. Malthus, convém lembrar, era contra políticas públicas de ajuda à população pobre por considerar que incentivaria seu crescimento. Ehrlich, o mais famoso dos neomalthusianos do século 20, defendia métodos compulsórios de contracepção -rechaçados desde 1994 pela ONU, na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, no Cairo.
Ao menos nos círculos acadêmicos de maior prestígio, é raro encontrar quem ainda defenda ideias como essas. Mas isso não significa que o tamanho da população seja uma variável desprezível.
Em artigo publicado neste ano na revista "Conscience" (editada pela ONG Católicas pelo Direito de Decidir), Laurie Mazur, organizadora do livro "A Pivotal Moment: Population, Justice and the Environmental Challenge" (momento crucial: população, justiça e o desafio ambiental), faz uma crítica aos que rejeitam qualquer debate sobre o tamanho da população.
Entre esses, diz ela, estão grupos "surpreendentemente diversos" como uma parcela das feministas, marxistas, liberais e religiosos conservadores. Por entenderem o debate como uma ameaça aos direitos das mulheres, uma manifestação do imperialismo, uma interferência indevida do Estado em temas privados ou por dogmas religiosos, muitos afirmam que o crescimento populacional é, nas palavras da autora, um "não assunto".
Em 2009, o relatório anual do Fundo de População das Nações Unidas defendeu a ampliação do acesso à educação e a métodos contraceptivos como uma das estratégias, a longo prazo, para lidar com o aquecimento global.
O autor do documento, Robert Engelman, argumentou que a relação entre o tamanho da população e o meio ambiente, em vez de ressuscitar teses ultrapassadas de controle compulsório da natalidade, poderia ser uma oportunidade para avançar na garantia dos direitos reprodutivos das mulheres.

ESCOLARIDADE Em favelas cariocas, subúrbios europeus, tribos africanas ou megalópoles asiáticas, há farta evidência empírica da alta correlação entre maior escolaridade e menor número de filhos. Com educação e acesso a métodos voluntários e seguros de controle da natalidade, cai o número de gravidezas não planejadas.
Quando fazem suas projeções populacionais, demógrafos levam em conta um comportamento verificado em quase todas as sociedades que iniciaram sua transição demográfica. Quando cai a mortalidade infantil e o acesso à escolaridade aumenta, mulheres tendem a ter menos filhos, especialmente quando lhes são dados meios para que planejem melhor o momento em que querem ficar grávidas.
Foi assim no Brasil cristão-onde o aborto em condições ilegais e insalubres explica em parte a impressionante velocidade de queda-, no Irã islâmico ou em países asiáticos que, diferentemente da China, nunca optaram pelo controle compulsório da natalidade. É, como diz David Lam, uma troca entre quantidade e qualidade: com menos filhos, é possível investir mais por criança.
Ao estimar que seremos, no final do século, 10 bilhões de habitantes, a ONU trabalha com uma variante média, considerada a mais realista. No entanto, a entidade faz também um cálculo levando em conta uma redução mais rápida da fecundidade, e outro, projetando uma queda mais lenta.
Na variante baixa -de queda mais rápida-, chegaríamos a 2100 com 6,2 bilhões de habitantes, menos do que somos hoje. Na variante alta, o número atinge os 15,8 bilhões. Ter 9,6 bilhões de pessoas a mais ou a menos no mundo, definitivamente, não é um detalhe.

"O problema não é espaço físico. Agrupados ombro a ombro, os atuais 7 bilhões de habitantes do planeta caberiam na área da cidade de São Paulo"

"Com a lamentável exceção da África subsaariana, a tendência de queda no crescimento populacional se verifica em todas as regiões, em especial na Ásia"

"Há uma variável nova e mais complexa: o aquecimento global. A inovação tecnológica terá papel fundamental para garantir que o padrão de vida continue melhorando"

"Em favelas cariocas, subúrbios europeus, tribos africanas ou megalópoles asiáticas, há evidência empírica de alta correlação entre maior escolaridade e menor número de filhos"

Folha de S. Paulo 14/08/2011

sexta-feira, 29 de junho de 2012

É uma maçada, caia fora!

     Quase larguei por definitivo esse Blogger, com quase um ano sem atualizações. Muitos fatos aconteceram nesses quase doze meses de ostracismo. Formei-me no ensino regular, adentrei numa universidade Federal, uma das melhores do país. Hoje sou estudante de um curso muito gratificante para minha pessoa. Espero que entre leituras acadêmicas e ócio peculiar consiga postar interpretações de fatos cotidianos aleatórios. Apresento-me mais maduro, coerente, intelecto um tanto quanto mais desenvolvido que outrora, com novas visões.
     Esse novo homem, uma reformulação do antigo eu, será o redentor desse Blogger altamente provocador. Por ventura, vossa mercê, encontraste essa página por acaso, desconsidere se considerá-la uma maçada. Como citado em um dos dois posts de doze meses atrás, esse é um Blogger de caráter pessoal, sem pretensões de promover imagem ou lucrar com algo. Tentem compreender que sou apenas mais um jovem em meio a massa, porém que tenta esmiunçar o que é dito e interpretado em nossos dias tão conturbados.