terça-feira, 4 de setembro de 2012

A coisa é clara:


    


     A coisa é clara: não se vende em proveito próprio, por conforto, nem para escapar da morte, mas se vende em proveito do outro! Se vende por uma pessoa querida, por uma pessoa adorada! É nisso que consiste toda essa nossa coisa: pelo irmão, pela mãe ela se vende! Vende tudo! Oh, aqui, havendo oportunidade, nós esmagamos até o nosso sentimento ético; levamos à loja de usados a liberdade, a tranquilidade, até a consciência, tudo, tudo. Dane-se a vida! Contanto que esses nossos seres apaixonados sejam felizes. Como se não nos bastasse inventar a nossa própria casuística, aprendemos com os jesuítas e, pode ser, por um momento tranquilizamos a nós mesmos, persuadimos a nós mesmos de que se deve agir assim, de que realmente se deve, para atingir um bom objetivo. Nós somos assim mesmo, e é tudo claro como o dia. É claro que aqui não é de outro senão de Rodion Románovith Raskólnikov, que se trata e em primeiro plano. Ora, como não? Pode-se construir a felicidade dele, custear-lhe a universidade, fazê-lo sócio do escritório, garantir todo o seu destino, pode ser que depois até se torne rico, honrado, respeitado, e talvez até termine a vida como um homem célebre. E a mamãe? Sim, mas aqui se trata de Ródia, do inestimável Ródia, do primogênito! Pois bem, para um primogênito como esse como não sacrificar até mesmo uma filha como essa? Oh corações amáveis e injustos![...]Não quero o seu sacrifício, Dúnietchka, não quero, mamãe! Isso não vai acontecer enquanto eu estiver vivo, não vai acontecer, não vai! Não aceito.


DOSTOIÉVSKI, F. M. Crime e Castigo. São Paulo: Editora 34, 2001. p. 59-60.

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