terça-feira, 4 de setembro de 2012

Sacrifício da Aurora - Vinícius de Moraes



Um dia a Aurora chegou-se 
Ao meu quarto de marfim 
E com seu riso mais doce 
Deitou-se junto de mim 
Beijei-lhe a boca orvalhada 
E a carne tímida e exangue 
A carne não tinha sangue 
A boca sabia a nada. 

Apaixonei-me da Aurora 
No meu quarto de marfim 
Todo o dia à mesma hora 
Amava-a só para mim 
Palavras que me dizia 
Transfiguravam-se em neve 
Era-lhe o peso tão leve 
Era-lhe a mão tão macia. 

Às vezes me adormecia 
No meu quarto de marfim 
Para acordar, outro dia 
Com a Aurora longe de mim 
Meu desespero covarde 
Levava-me dia afora 
Andando em busca da Aurora 
Sem ver Manhã, sem ver Tarde. 

Hoje, ai de mim, de cansado 
Há dias que até da vida 
Durmo com a Noite, ausentado 
Da minha Aurora esquecida... 
É que apesar de sombria 
Prefiro essa grande louca 
À Aurora, que além de pouca 
É fria, meu Deus, é fria!


Vinicius de Moraes

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